5- A origem do homem


No curso que ministro sobre a origem da vida, inicio falando sobre as possibilidades (hipóteses) da origem da primeira célula até chegar à origem de todos os vegetais e animais. Naturalmente falo sobre a origem do homem. Neste curso me deparo com algumas considerações que são um dos pilares do criacionismo: Quem originou a vida? Surgiu ao acaso como acredita a ciência ou foi um ato divino das mãos de um criador onipotente? A ciência busca evidências para justificar seu ponto de vista e a religião atua no campo exclusivamente da fé (está escrito!).
         Existem vários mitos em diversos povos e religiões que apresentam grandes semelhanças. Geralmente a origem do homem (que é muito misturada com a origem da vida) ocorre através de uma ação catastrófica como o fogo, o dilúvio, o caos ou evidencia grandes lutas com animais e até mitos com grande apelo poético. Estes mitos foram passados de geração a geração, lapidados e adequados como forma simples para poder situá-los no mundo, isto é, para encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza.
         Com o surgimento da Bíblia, um grande número de pessoas passou a aceitar a origem humana como descrito literalmente, portanto, Adão e Eva formaram o primeiro casal criado por Deus. Adão é considerado o primeiro ser humano, uma nova espécie criada diretamente por Deus. Teria sido criado a partir do barro à imagem e semelhança de Deus para domínio sobre a criação terrestre. Eva foi também criada diretamente por Deus, a partir de uma costela de Adão enquanto este encontrava-se em sono profundo.
         A utilização do barro como matéria-prima é muito comum e antiga (veremos alguns exemplos a seguir), podendo ter sua origem no mito sumério que só recentemente foi descoberto, onde a Deusa do Mar Primordial fica cansada de trabalhar para garantir o seu sustento diário e passa a usar o barro para criar uma raça de homens que passam a servir aos deuses.
         Tanto o dilúvio (todo povo passa por grandes catástrofes por inundações que podem ser lembradas como o “fim do mundo”) quanto o barro (uma das principais matérias-primas para elaboração e confecção de utencilios) são fortes argumentos para poder explicar uma catástrofe global ou a origem do homem. As religiões, impondo suas vontades, induzem o povo a acreditar sem questionar, muitas vezes por simples medo. Até hoje, um cristão devoto se nega a pensar diferente das escrituras sagradas com medo de estar pecando.
         A seguir vamos conhecer outros mitos de criação humana. Na mitologia grega pode ser encontrado um episódio da criação dos seres humanos muito parecido com o Gênesis bíblico, onde existe um dilúvio e homem de barro.
         No Atol Anaa, Polinésia Francesa, os deuses Te Tumu e Te Papa geraram o homem, os animais e as plantas. O primeiro ser humano foi Matata que se apresentava mal formado com ausência de braços e morreu logo. O segundo, que também não tinha um braço e as pernas, foi Aipu. Depois surgiu Hoatea, que representa o céu e o espaço, que era perfeito, e Hoatu, que significa a fertilidade da Terra. Uma mulher se tornou a esposa de Hoatea.
         Segundo a mitologia inca, o Deus Viracocha Pachayachachi criou o mundo e os homens seguindo suas próprias medidas. Os homens cometeram excessos e foram transformados em pedras ou animais. Depois despejou sobre os homens um dilúvio, no qual todos morreram, menos três que originaram todos os existentes hoje.
         Os maias acreditavam que o homem surgiu após dois grandes dilúvios, que varreram as primeiras versões humanas que eram feitas a partir de barro e madeira. Na terceira e última tentativa, os deuses resolveram criar o homem a partir do milho, ofereceram a ele a consciência de si e seu sangue foi obtido dos próprios deuses.
         O povo chimarikos da Califórnia possui uma mitologia muito interessante com duas narrativas: uma delas envolve o coiote que, fugindo de uma grande inundação, encontra um osso que se transforma em uma jovem com quem ele origina todo o povo chimarikos. A outra narrativa atribui a origem dos seres humanos à rã que encontra as costelas de uma pessoa que se afogou em uma grande inundação. A costela se transforma em uma linda moça com quem a rã se casa e origina a humanidade.
         Os índios brasileiros apresentam mitologias diferenciadas. Os kamaiurás acreditam que no início só existia Mavutsinim, que usou seus poderes sobrenaturais transformando uma concha na mulher. Tiveram um filho que originou todos os povos. A tribo caxinauas acredita que o céu transbordou e um dilúvio afogou todos os habitantes só sobrando uma mulher que estava grávida. Um relâmpago mata a mulher e a joga na terra onde é encontrada por um caranguejo que libertou o casal de gêmeos que estavam na sua barriga. A mulher do caranguejo cria o casal de gêmeos até que eles se casaram originando a tribo caxinauas.
         Os acádios afirmavam que Adapa foi o primeiro homem, o filho do Deus Ea. Os mesopotâmicos afirmavam que o homem cresceu da terra como uma planta ou surgiu do sangue de Tiamat, o dragão derrotado por Marduk. Um mito sumério conta que os seres humanos foram criados por Eki, considerado Deus das águas, e sua mãe moldou em barro formas de seres humanos.
         Um mito indiano escrito em 700 a.C. conta que o universo foi criado sob forma de um homem, que por viver solitário dividiu-se em duas partes: uma masculina e outra feminina. Estas duas partes se uniram e formaram todos os seres humanos. Os dois seres originais transformaram-se em um casal de animais que gerou todas as formas animais existentes na Terra.
         Um mito chinês conta que a criação do homem deve-se a Nü Wa, deusa que nasceu na Terra, sozinha no mundo, pegou um pouco de lama amarela na beira do lago, amassou-a e formou uma figura semelhante à sua, mas com tamanho pequeno e quando a colocou no chão ganhou vida, assim, fez muitas figuras e as chamou de humanos. 
         Os melanésios contam que To Kabinana, um dos homens primordiais, sobe em um coqueiro e atira no chão dois cocos maduros que se quebram e se transformam em duas lindas mulheres. Seu irmão gêmeo, To Karvuvu, fica com inveja e repete o procedimento só que os cocos caem com a ponta para baixo formando mulheres feias, com nariz achatado.
         Segundo a crença iorubá, Oxalá criou o homem a partir do ferro e depois da madeira, mas ambos eram rígidos demais. Criou o homem de pedra, mas era muito frio. Tentou a água, mas o ser não tomava forma definida. Tentou o fogo, mas a criatura se consumiu no próprio fogo. Fez um ser de ar que depois de pronto retornou ao que era, apenas ar. Tentou, ainda, o azeite e o vinho sem êxito. Triste pelas suas tentativas infecundas, Oxalá sentou-se à beira do rio, de onde Nanã emergiu questionando-o sobre a sua preocupação. Oxalá fala sobre o seu insucesso e Nanã mergulha e retorna da profundeza do rio e lhe entrega lama. Oxalá, então, cria o homem e percebe que ele é flexível, capaz de mover os olhos, os braços, as pernas e, então, sopra-lhe a vida.
         Os povos nórdicos da Europa acreditavam que Odin, de um pedaço de árvore, fez o primeiro homem e a primeira mulher. A árvore que deu origem ao homem é chamada de Freixo e a que deu origem à mulher chamada de Olmo.
         Na grande lenda persa, o masculino Masha e o feminino Mashyoi são descobertos em uma planta totalmente entrelaçados sem poder saber onde um começa e o outro termina. A planta cresce e se transforma em uma árvore que começa a produzir frutos que se transformam em dez variedades de pessoas. Assim, o senhor os liberta de seu aprisionamento vegetal e os despacha daquele Éden para o mundo. Logo caem no pecado e ficam nas garras de Angra Mainyu, o espírito do mal. A mulher dá a luz a gêmeos que ela e o marido devoram e, posteriormente, produzem sete pares de gêmeos que sobrevivem para se transformar nas diferentes espécies de homens e deuses.
         Os cabilas da Argélia contam que no início só existia um homem e uma mulher que não se conheciam e viviam debaixo da Terra. Certo dia encontraram-se em um poço e descobriram as delícias do sexo. Produziram 50 casais que foram para a superfície e originaram a humanidade.
         A ciência atual aceita a teoria da evolução, na qual o ser humano tem um ancestral comum com os primatas superiores, tendo se adaptado a hábitos terrícolas por bipedismo primário e desenvolvido um cérebro mais complexo. Segundo os cientistas, a separação entre os ancestrais dos humanos e dos chimpanzés, que são os nossos parentes vivos mais próximos, teria ocorrido há cerca de 5 milhões de anos. Aqui, temos um grande conflito entre duas frentes: a religiosa, considerando a Bíblia e o Alcorão, onde o homem é a semelhança de Deus e a ciência, principalmente após a Origem das Espécies de Charles Darwin, por dizer que o homem não é especial na Terra e simplesmente um animal que segue seu destino evolutivo.
         A discussão é interessante porque determinados grupos religiosos querem ter a sua “verdade” imposta, mesmo sem qualquer possibilidade de sustentação concreta, apenas por estar escrito, sobrepondo as “verdades” dos outros. Tudo acaba em grandes mitologias, textos metafóricos para explicar o inexplicável, principalmente em uma época onde o povo não tinha grande poder de análise.
         Os criacionistas utilizam as mitologias de diferentes povos para justificar a uniformidade de criação, principalmente o Dilúvio Global e a origem humana do barro. Mas é bom registrar que estas citações foram feitas em épocas distintas muito antes da Bíblia ser escrita, portanto, é plausível que os textos bíblicos sejam heranças das mitologias já conhecidas na época de sua elaboração.
         A ciência caminha e, a cada passo, estreita os dogmas das religiões que passam a se sustentar em poucos pilares, evidenciando, a cada momento, a distinção entre ciência e religião. Os criacionistas é que sofrem com isto, porque sabem que, a cada momento, o seu “manual científico” passa a ser mais metafórico se sustentando apenas pela fé. Onde está a verdade do heliocentrismo? Da abiogênese? Da Terra imóvel? Da sustentação da Terra por pilares? Do céu sólido? Do homem que viveu dias dentro de um peixe grande? Do Dilúvio Global? Do homem de barro? Da mulher costela? Dentre outros.
         Mais uma vez volto para meus alunos. Não importa a sua fé (que é extremamente importante), mas fé não é considerada nas provas das Faculdades e Universidades. Aconselho que sejam espertos, respondam as questões sobre as origens utilizando os conceitos apontados pela ciência, porque é a única que apresenta evidências palpáveis.
         Para ampliar os conceitos científicos, vamos a uma pequena discussão. Os fósseis são os elementos que, na atualidade, encerram a informação sobre a vida do passado do Planeta. O mundo biológico que hoje conhecemos é o resultado de milhares de milhões de anos de evolução. Assim, só estudando paleontologicamente o registo fóssil é possível entender e explicar a diversidade, a afinidade e a distribuição geográfica dos grupos biológicos atuais.
A partir dos fósseis, pode-se fazer a datação relativa das rochas em que ocorrem e estabelecer correlações (isto é, comparações cronológicas, temporais) entre rochas de locais distantes que apresentem o mesmo conteúdo fossilífero. O estudo dos fósseis e a sua utilização como indicadores de idade das rochas são imprescindíveis, por exemplo, para a prospecção e exploração de recursos geológicos tão importantes como o carvão e o petróleo.
Os arqueólogos diferenciam-se dos paleontólogos porque trabalham com restos de seres humanos e vestígios da suas atividades. A paleontologia estuda organismos mortos até 11.000 anos, pois nem todos os restos de seres vivos preservados em sedimentos, rochas, gelo e âmbar, constituem um fóssil.
Edson Perrone