Não é comum, mas
aparecem alunos que me questionam sobre a origem dos seres vivos e a sua
evolução. Logo percebo que o questionamento está relacionado às suas bases
religiosas que não aceitam a origem gradual das espécies e sim o fiximo conforme
descrito na Bíblia. Eu não tenho o menor interesse em mudar o ponto de
vista do aluno, só tenho a obrigação de mostrar como a ciência aceita os fatos,
porque é desta forma que será cobrado nas provas que ele vai fazer.
O debate é
sempre interessante. Tento absorver o máximo possível o ponto de vista de cada
aluno para entender até onde existe sentido ou radicalismo. Depois busco outras
fontes “confiáveis” para poder rechear meu conhecimento. Associo os dados e
tento uma solução para o problema (muitas vezes crio mais problemas). Sempre
tento entender o lado radical religioso e explicá-lo utilizando o meu lado
científico na expectativa de criar discussão e ampliar conhecimentos.
De fato
considerar a evolução das espécies e a Arca de Noé no contexto do Dilúvio
Global é muito difícil, embora os criacionistas digam o contrário. Para
começar, vamos analisar o Gênesis (6-9), onde podemos resumir o Dilúvio assim:
A humanidade tomou um caminho pecador que desagradava Deus, que então tomou uma
decisão de inundar a Terra e destruir quase toda vida. Deus viu em Noé um
virtuoso homem, inocente entre o povo de seu tempo e decidiu que este iria
preceder uma nova linhagem humana. Deus disse a Noé para fazer uma Arca e levar
com ele a esposa e seus filhos Shem, Ham e Japheth, e suas esposas. Além disso,
disse para trazer exemplares de todos os animais e aves, machos e fêmeas. A fim
de fornecer seu sustento, disse para trazer e armazenar alimentos. Noé, sua
família e os animais entraram na Arca e a chuva caiu sobre a terra por quarenta
dias e quarenta noites. A inundação cobriu até as mais altas montanhas por mais
de seis metros, e todas as criaturas morreram; apenas Noé e aqueles que estavam
na Arca ficaram vivos.
Depois de
aproximadamente 7 meses e 17 dias, a Arca encalhou sobre o Monte Ararat. As
águas começaram a diminuir e os topos das montanhas emergiram no primeiro dia
do décimo mês. Somente depois de 40 dias Noé abriu a clarabóia (um tipo de
janela) e enviou um corvo que ia e vinha por não ter encontrado terra firme para
pousar. Posteriormente, Noé enviou uma pomba, mas ela retornou à Arca sem ter
encontrado nenhum lugar para pousar. Depois de mais sete dias, Noé novamente
enviou a pomba e ela voltou com uma folha de oliva no seu bico e então ele
soube que as águas tinham diminuído. Noé esperou mais sete dias e enviou a
pomba mais uma vez, e desta vez ela não retornou, confirmando que a terra
estava seca. Em seguida, ele e sua família e todos os animais saíram da Arca e
Noé fez um altar para Deus e sacrificou animais e aves de toda espécie pura.
Portanto, toda a odisséia de Noé levou mais de um ano para poder pisar em terra
firme.
Vários outros povos citam um tipo de
dilúvio. Os estudiosos contam mais de 288 histórias antigas de dilúvio, e todas
com uma base comum: há uma grande catástrofe promovida por uma grande ofensa
dos homens contra a divindade. Esta constatação é uma base para os
criacionistas confirmarem a possibilidade do Dilúvio Global ter acontecido.
Entretanto, não podemos esquecer que grandes inundações ocorrem em todas as
partes da Terra e são catástrofes que ficam registradas nas mitologias e
modificadas de acordo com a necessidade de cada povo. Lembro-me de uma grande
enchente que ocorreu em 1979 no sudeste do Brasil e que até hoje os ribeirinhos
de determinadas localidades contam, com muito exagero, que as águas subiram até
cobrir as árvores e os morros matando todos os animais, portanto, o seu mundo
sofreu um dilúvio.
Um problema de registro
Voltando
ao Gênesis, o Dilúvio Bíblico aconteceu
quando Noé tinha 600 anos de idade, e considerando que a Terra foi criada
em 4004 a.C., conforme acreditam os criacionistas, o Dilúvio ocorreu cerca
de 2400 a.C. Nesta data não existe registro histórico de um dilúvio pelos
egípcios, pelos fenícios, pelos gregos e nenhuma outra cultura. Os registros
históricos de civilizações tão antigas como a da China ou os habitantes do Vale
do Indo não mostram nenhum período de tempo em que estas civilizações houvessem
sido destruídas subitamente por uma inundação global, para serem repovoadas de
forma lenta posteriormente. Simplesmente não há nenhuma evidência de nenhum
tipo, seja da arqueologia, geologia ou história, que indique uma inundação de
nível global que tenha destruído todas as pessoas, exceto oito. Desta forma, é
lógico que não demorou muito para que o Dilúvio Global sofresse questionamentos
e pressões, quando se tornou claro que um simples evento como o dilúvio não
poderia explicar as descobertas científicas, principalmente, considerando a
aparente progressão de fósseis em diferentes camadas de rochas, onde, a cada
camada, fósseis mais primitivos que os da camada acima eram achados. Como poder
explicar a descoberta de fósseis pré-diluvianos com tantas semelhanças com os
animais atuais?
O problema da inundação
Outro
grande problema a ser discutido é o volume da água para tal
enchente. Segundo o texto bíblico, a Terra foi coberta pela água da chuva,
incluindo-se os montes. Existe água em suspensão na atmosfera para cobrir os
todos os montes? Se utilizarmos toda a água da superfície do planeta para ser
depositada sobre o solo, teríamos uma inundação que não chegaria a 3 cm de
profundidade. Ainda seguindo este raciocínio, se considerarmos que, por uma
ação divina, a chuva caiu apenas sobre a terra firme, que corresponde a cerca
de 30% da superfície do planeta e nela ficou empoçada, a profundidade máxima
desta inundação seria menor que 9 cm. Vamos agora imaginar uma inundação
restrita onde existia a humanidade, portanto, em uma parte do Oriente Médio,
considerando Israel, Palestina, Líbano, Jordânia, Iraque, Turquia, Síria,
Arábia Saudita, Irã, Egito, teríamos uma inundação de cerca de 2 m de
profundidade. Se considerarmos a narrativa bíblica e que a enchente ocorreu nos
territórios do Iraque, Síria, Turquia, Jordânia, Palestina, Israel e Líbano,
mesmo sendo difícil estabelecer esse cenário com precisão, teríamos uma
inundação de cerca de 8 metros e meio. Embora existisse a
possibilidade de morrerem afogados nesta água, Isto ainda está muito longe de
atingir o que está descrito na Bíblia, mesmo que consideremos as áreas
montanhosas.
Segundo os criacionistas, uma
possibilidade para ocorrer a inundação conforme a Bíblia está relacionada com a
água contida nos oceanos. Se a Terra fosse totalmente plana, sem montanhas ou
bacias oceânicas, ela seria coberta por uma camada de água com 3
km de profundidade. Portanto, existe água suficiente para inundar a Terra.
Podemos incluir a água que está na atmosfera e uma quantidade desconhecida de
água que poderia ser subterrânea. Ainda é possível considerar que a água
suficiente para o dilúvio tenha sido incrementada pela colisão de um ou mais
cometas. Sinceramente acho que as possibilidades apresentadas pelos
criacionistas é forçar a barra. Achar que todo conhecimento geológico adquirido
durante tantos anos é uma brincadeira, ou melhor, é uma conspiração para
contradizer os escritos bíblicos, como se todos os pesquisadores do mundo
estivessem preocupados com o que pensam os criacionistas, ou tivessem um único
propósito: acabar com a Igreja. Como podemos aceitar uma condição de Terra
plana para ter o volume de água necessário para o dilúvio bíblico? Será que na
época não existiam lagos, mares, rios, vales e montanhas? Será que antes do
dilúvio Deus mandou fazer ou fez uma terraplanagem global? Se a Terra fosse
plana, como Moisés poderia receber as tábuas com os dez mandamentos Monte de Horebe, na Península do Sinai?
Como resposta, os criacionistas
acreditam no "firmamento de vapor" prévio ao Dilúvio, que
rodeava a terra. Henry Morris no seu livro “Scientific Creationism”
disse: "Se houve no começo, um vasto manto termal de vapor d'água em
algum lugar sobre a troposfera, então não apenas o clima seria afetado, como
também seria uma fonte adequada para explicar as águas atmosféricas necessárias
para o Dilúvio". Entretanto, não existe a menor evidência científica
que indique que tal firmamento já existiu alguma vez (exceto na descrição do
Gênesis), existindo boas razões para duvidar que pudesse ter existido. A
difusão é um fenômeno físico tão evidente que jamais permitiria uma massa de
vapor ficar concentrada por muito tempo em algum local, portanto, todo vapor de
água tende a se mover desde áreas de alta concentração até áreas de baixa
concentração, impedindo a formação de um cinturão atmosférico de vapor de água,
a menos que se impedisse sua difusão por meio de uma barreira impermeável.
Outro problema para a formação desta camada de vapor de água está relacionado
com sua provável destruição por células de convecção, produzidas por ar quente
ascendente do Equador que é substituído por ar polar, mais frio. Não podemos
esquecer da pressão atmosférica que é provocada pelo peso dos gases da
atmosfera pressionados sobre a superfície da terra. O vapor de água seria muito
pesado e uma camada de vapor como a que postulam os criacionistas produziria
uma pressão atmosférica ao nível do mar de cerca de 900 atmosferas,
aproximadamente igual à pressão que há no mar nas regiões abissais. Noé e sua
Arca, sem esquecer de qualquer ser vivo, teriam sido esmagados pelas extremas
pressões atmosféricas antes que pudessem navegar. Mas não acaba aí.
Segundo Arthur Strahler, no seu livro “Science and Earth History: The
Creation/Evolution Controversy“, com a condensação desta camada de vapor
para formar água líquida, seria liberado calor. Considerando a quantidade de
vapor de água suficiente para produzir uma inundação global, teria liberada uma
enorme quantidade de energia calorífica que poderia ultrapassar
os 3.000°C, fervendo o oceano e a Arca. John Whitcomb e Henry Morris no livro
“The Gênesis Flood”, incapazes de explicar qualquer um desses problemas,
apenas concluem: “É óbvio que a abertura das comportas do céu, para que as
águas que estavam sobre o firmamento caíssem sobre a terra, e a ruptura de
todas as fontes do grande abismo foram atos sobrenaturais de Deus”. Como
veremos muitas e muitas vezes, sempre teremos um final de discussão colocando
Deus como o culpado, sem qualquer condição de continuidade de discussão,
portanto, foi assim porque foi.
A construção da Arca
Outro argumento muito forte da
impossibilidade de ter existido a passagem do Dilúvio conforme descrito
literalmente na Bíblia está relacionado à construção da Arca para abrigar todos
os animais e a família de Noé. De acordo com a Bíblia, a Arca tinha dimensões de
300 cúbitos por 50 cúbitos por 30 cúbitos de altura (convertendo em metros
teremos, aproximadamente 135 x 22,5 x 13,5) o que representa uma embarcação
enorme, provavelmente, o maior navio construído até então na região. A partir
do ano de 1900, portanto 4.000 anos depois de Noé e sua Arca, é que a
tecnologia naval permitiu a construção de navios de madeira que apenas
remotamente se aproximavam do suposto tamanho da Arca. Esses navios só podiam
ser usados em águas costeiras porque não podiam sobreviver em mar aberto. A
insegurança desses navios para travessias marítimas foi a principal razão pela
quais as forças navais do mundo passaram aos barcos de aço antes da Primeira
Guerra Mundial. Lembre-se que a Arca tinha que sobreviver em mar aberto durante
uma inundação catastrófica. Mas, por milagre, como qualquer explicação final
dos criacionistas, limitando-se à fé, vamos aceitar que a Arca foi construída
por Noé e seus três filhos (outro milagre!).
A ocupação da Arca
Segundo Gênesis (7), Deus disse a
Noé: “Entre na Arca com toda a sua família, porque você é o único justo que
encontrei nesta geração. Tome sete pares, o macho e a fêmea, de todos os
animais puros; tome um casal, o macho e a fêmea, dos animais que não são puros;
e tome também sete pares, macho e fêmea, das aves do céu, para perpetuarem a
espécie sobre toda a Terra”. Com o mínimo de bom senso não havia espaço
suficiente na Arca. Mas os criacionistas, aparentemente sem conhecer direito a
biodiversidade da Terra, as complexas relações entre espécies e a fisiologia de
cada animal para a condição mínima de sobrevivência, apresentam uma
justificativa. Ufa! Aceitam que não poderia entrar todos os animais na Arca. A
Arca foi projetada para incluir apenas vertebrados terrestres, aqueles que
caminham sobre a terra e respiram através de narinas (Gênesis 7:22). Isso não
inclui animais marinhos, vermes, insetos e plantas.
Só para ter uma visão simples do
problema, vamos observar a tabela abaixo obtida no trabalho de Paglia, Bérnilis
e Develey: “A luta pela proteção dos
vertebrados terrestres”. Portanto, no mundo existem mais de 30 mil espécies
de vertebrados (anfíbios até mamíferos) com características morfológicas
diversificadas, ocupando uma ampla gama de ambientes.
GRUPO
|
NO BRASIL
|
NO MUNDO
|
Anfíbios
|
875
|
6.200
|
Répteis
|
721
|
8.750
|
Aves
|
1.834
|
9.991
|
Mamíferos
|
680
|
5.416
|
Total
|
4.092
|
30.357
|
É bom lembrar que os dados apontados
são os animais vertebrados catalogados, portanto, aqueles conhecidos pela
ciência e registrados até alguns anos atrás, além de termos que considerar que
estes animais estão aos pares na Arca, dobrando a capacidade da embarcação.
Outro aspecto significante seria saber como os invertebrados, principalmente
dos insetos e aracnídeos (que possuem a totalidade de sua biodiversidade até
hoje desconhecida), puderam sobreviver fora da Arca por cerca de um ano?
Aqueles com asas, voando? Os demais caminhando sobre as águas?
Agora já imaginaram a logística para
manter estes animais na Arca? Como foi possível a alimentação de toda a fauna e
a família de Noé por cerca de um ano exclusivamente no interior da Arca?
Segundo os criacionistas, estas questões não são discutidas na Bíblia. O
alimento foi aparentemente guardado na Arca (Gênesis 6:21-22). O Deus que
revelou a vinda do dilúvio instruiu Noé sobre como preparar a Arca e dirigiu os
animais para a Arca, certamente cuidou da "logística" necessária para
o cuidado deles. Voltamos à velha questão: Deus fez! Foi assim porque foi! Só
para ver a impossibilidade desta logística, se considerarmos um casal de ruminantes
como o boi e a vaca que se alimentam com cerca de 40 kg de capim por
dia, em um ano teriam que consumir cerca de 14 toneladas e 600 kg (e
só consideramos um casal). Agora vamos considerar um casal de carnívoros, como
os leões. Só para se manter vivo, o casal deveria consumir cerca de 10
kg de carne por dia, portanto, em um ano isolados na Arca devorariam cerca
de 3.650 kg de carne que deveria ser mantida congelada. Será que a Arca
tinha um frigorífico?
Devemos ser razoáveis e fazer alguns
questionamentos: 1- Como os animais exclusivos da Austrália, Nova Zelândia e
América do Sul poderiam chegar até a Arca? 2- Como Noé e sua família poderiam
resolver os problemas de logística para separar predadores e presas? 3- Como
poderiam manter um ambiente livre de excrementos durante todo esse tempo só com
oito pessoas? 4- Como poderiam ter ventilação suficiente para manter a vida dos
animais? (É bom lembrar que a Arca não tinha janela, ou melhor, só uma pequena
no teto). 5- Como explicar a alimentação específica de determinados animais,
como, por exemplo, os coalas que só se alimentam de folhas de eucaliptos? 6-
Como manter vivos os animais que possuem ciclo de vida inferior ao tempo que a
Arca ficou navegando?
Embora sem capacidade de discutir
tais assuntos, os criacionistas apresentam saídas interessantes. No caso dos
coalas, citam que não é conhecido se estes animais sempre foram restritos a
folhas de eucalipto, ou se sua dieta mudou. Dizem que nem mesmo sabemos se os
coalas existiram antes do dilúvio, ou se eles se diferenciaram a partir de um
ancestral que tenha sido preservado durante o dilúvio. Possivelmente não haja
um meio de obter a resposta. Será que estamos vendo uma posição evolucionista
na explicação criacionista quando afirmam que os coalas poderiam se diferenciar
a partir de um ancestral?
No caso dos animais da América do Sul
(podemos incluir Austrália e Nova Zelândia), os criacionistas argumentam que
não se sabe, mas parece provável que os animais foram dirigidos de forma
sobrenatural para ir para a Arca e, quando a água baixou, da mesma forma,
voltaram para suas áreas de origem. A ação sobrenatural pode ter sido obtida
pela implantação de um impulso instintivo para migrar, ou pode ter sido através
da ação direta de anjos. Alguns podem objetar sobre a invocação de atividade
sobrenatural, mas esta é inerente a toda a história do dilúvio. Atividades
sobrenaturais não implicam necessariamente violação de leis naturais, mas sim
que os eventos foram dirigidos por seres de inteligência superior, acreditam os
criacionistas. Com esta explicação não precisamos discutir mais nada. Foi assim
porque foi! Como podem considerar plausível a ocorrência da Arca e do dilúvio
partindo para o campo exclusivamente da fé? Fé não se discute. A Arca poderia
ser uma canoa que pela ação divina colocou todos os animais lá dentro e ponto
final. Uma bela lenda, como muitas semelhantes em vários povos.
A vida dos pequenos
Mas vamos continuar nossa discussão.
Outro problema difícil de entender está relacionado a determinados vermes que
são parasitas exclusivos do homem e existem outros que são exclusivos de
determinados animais. Para facilitar a compreensão do problema, vamos
considerar somente as verminoses humanas. É bom lembrar que só sobraram oito
pessoas, portanto, todos os vermes intestinais e do sangue deveriam estar
sobrevivendo nestas pessoas que estariam muito doentes. Agora vamos colocar
nestas pessoas as doenças provocadas por protozoários, vírus e bactérias. Ou
será que estes surgiram depois do dilúvio? Se tudo aconteceu como querem os
criacionistas, como Deus poderia ser tão mal para salvar estes parasitas e
iniciar um novo mundo com tantos problemas de saúde para a população humana e
dos animais?
Os organismos aquáticos
Segundo os criacionistas, os animais
aquáticos não precisavam entrar na Arca. Mas temos um sério problema. Se caiu
chuva (água doce), caiu sobre a terra o suficiente para cobri-la. Os oceanos
estariam tão diluídos que poucos organismos marinhos poderiam ter sobrevivido.
O problema para a morte dos organismos aquáticos está relacionado a fatos
amplamente conhecidos de osmorregulação. Sem problema, dizem os criacionistas,
as "fontes do abismo", com um comando divino, devem ter expulsado sal
suficiente para manter a salinidade alta o suficiente para que os organismos
marinhos sobrevivessem. Agora nos deparamos com outro problema. O que aconteceu
com os organismos de água doce já que eles não poderiam sobreviver em água
salgada?
A vida após a Arca
Até agora só discutimos alguns
problemas para a aceitação literal da história de Noé, da Arca e do Dilúvio
conforme a Bíblia. Consideramos, principalmente, o que estava na Arca, a
logística, sua construção e a água para tal enchente. Poderíamos criar um texto
semelhante discutindo os aspectos da vida dos vegetais e sua biodiversidade,
bem como a estrutura ecológica após o Dilúvio. Mas acho que não é necessário,
por enquanto, entrar em tais discussões.
Os criacionistas não conseguem
explicar o que teria acontecido após o dilúvio. Como um predador carnívoro
estrito vai se alimentar em um novo mundo sem um número suficiente de presas?
Como os grandes vegetarianos poderiam se alimentar se, provavelmente os
vegetais ainda estariam brotando? Desta forma, só posso crer que estas pessoas
que aceitam o literalismo bíblico e levantam suas bandeiras, estão se apoiando
nas últimas amarras dos dogmas religiosos na tentativa de se manter o fôlego do
moribundo. Como saída, apelam para Deus intervir e solucionar o problema,
deixando claro que o Dilúvio Bíblico é apenas uma forma fácil de contar uma
lenda para um povo, passando ensinamentos e exemplos para uma melhor sociedade.
Segundo Whitcomb e Morris: "Que Deus interveio numa forma sobrenatural
para reunir os animais na Arca e para mantê-los sobre controle durante o ano do
Dilúvio está afirmado explicitamente no texto da Escritura."
A própria Sociedade Criacionista
Brasileira (SCB) aponta perguntas sem respostas: Como um evento catastrófico
conseguiu produzir a sequência ordenada de fósseis que é observada? Por que os
fósseis na parte inferior da coluna geológica parecem tão diferentes de
qualquer coisa viva atualmente, enquanto os fósseis na parte superior da coluna
são mais semelhantes às espécies que vivem agora? Por que alguns fósseis se
apresentam em uma série morfológica que se ajusta, de um modo geral, com a
teoria da evolução? Como as plantas e animais chegaram ao local onde agora
estão após o dilúvio?
Conclusão
Aos olhos da ciência é certo que não
houve um único dilúvio universal, mas muitos povos guardaram a lembrança de um
dilúvio local, inclusive índios brasileiros. Desta forma, devemos entender que
podem ter ocorrido vários eventos isolados que tomaram as proporções bíblicas
como citado. A Bíblia como um grande livro, com ensinamentos profundos não deve
ser interpretada com um livro de ciência, pois não se explica cientificamente a
fé. Sem ser uma pessoa religiosa, acredito que aqueles que seguem a Bíblia
deveriam passar a mensagem do Dilúvio (Gênesis 6-9) da seguinte forma: Deus é
santo e puro; Deus é justo e não pode deixar o mal imperar; Deus é clemente,
convida à conversão antes de corrigir. O dilúvio marca o fim de um período da
história religiosa da humanidade e marca o início de uma nova era. É como se
fosse o início de um novo mundo, onde Deus faz aliança com Noé, o “pai” da nova
humanidade. Noé é uma imagem de Cristo, que salvou a humanidade através da
arca, purificando o mundo dos pecados. A Arca de Noé pode representar a figura
da Igreja, onde ninguém sobreviveu fora da Arca, ninguém se salva fora da
Igreja. Todos os que se salvam, mesmo que não pertençam à Igreja, se salvam por
meio de Cristo e da Igreja, ainda que não saibam disso. As águas do dilúvio são
figuras do batismo, que pela água dá vida aos fiéis e apaga os pecados. O
dilúvio, como nova criação, prefigura “os novos céus e a nova Terra”.
Edson Perrone